A Acap (Associação Catarinense dos Artistas Plásticos) abre nesta quarta-feira (3), às 18h, no Espaço Cultural BRDE – Governador Celso Ramos, em Florianópolis, a exposição “Desdobramentos de uma História”, em homenagem a três dos seus oito fundadores – Meyer Filho, Martinho de Haro e seu filho, Rodrigo de Haro. A mostra, em três eixos curatoriais, marca a continuidade das comemorações dos 50 anos de fundação da associação.
Ao reunir três de seus fundadores como referências, a Acap propõe mais que uma homenagem nostálgica. Com “Martinho de Haro: A Arte de Instaurar Existências Mínimas”, “Meyer Filho: O Calculista Delirante” e “Rodrigo de Haro: Herdeiro de Morfeu”, 23 artistas associados foram convidados a desenvolver processos de ressignificação, com reflexões sobre questões urgentes da arte e das experiências contemporâneas.
A Acap programou para 2025 a realização de seis exposições em que exalta e honra a memória destes artistas que fizeram história no Estado e no país, e também valoriza e divulga os talentos reunidos no momento em torno desta entidade histórica.
A primeira exposição, “Max Moura – Desdobramento de uma História: Acap 50 anos”, realizada nos meses de fevereiro e março, na Fundação Cultural Badesc, abriu a série, propondo um diálogo entre diferentes temporalidades da arte catarinense. Em agosto, na Fundação Hassis, a obra “O Circo”, uma das mais emblemáticas do irreverente Hassis, criada em pleno governo militar, foi o ponto de partida para “Hassis [o circo como palco da relação entre arte, ironia e política]”.
Herança artística e patrimonial
A metodologia curatorial abordada na nova mostra coletiva compreende a herança artística como patrimônio a ser preservado e como conjunto de produções poéticas e conceituais gerando novos processos criativos. Os trabalhos, segundo as curadoras Anna Moraes e Meg Tomio Roussenq, reforçam que a força dos fundadores da Acap reside precisamente na capacidade de seus legados, de continuar possibilitando investigações estéticas que respondem às transformações culturais, sociais e políticas das últimas décadas.
Ao articular celebração institucional e experimentação artística, a mostra evidencia como as associações culturais podem funcionar como propostas de futuros possíveis para a arte catarinense. Neste contexto, as obras selecionadas reforçam que os 50 anos da Acap emergem não apenas como marco cronológico a ser comemorado, mas como acúmulo de experiências capazes de orientar os desafios estéticos e políticos que se apresentam na arte atual.
O presidente Gelsyr Ruiz vê a série de exposições como uma forma de reforçar o compromisso da classe em honrar os históricos fundadores, ao mesmo tempo em que os contemporâneos mostram a força de articulação da classe criando e ocupando espaços históricos da Capital.
Ruiz lembra também que estas ações mostram que a Acap pode ter passado por momentos não tão gloriosos em sua jornada, como o fato de, às vésperas de completar 40 anos, ter perdido sua sede em espaço nobre no Centro Histórico, mas continua se reinventando. “Não temos mais nosso espaço físico, mas mostramos que podemos unir história, presente e futuro ocupando o espaço virtual, com nosso site e a presença nas redes sociais, além das exposições e de outras ações, como oficinas e visitas técnicas”, reforça.
Como expositor, Ruiz usou as técnicas de colagem e pintura sobre foam board para criar a série de quatro elementos, “Olhar para Meyer – Cúmplice do Delírio”. “Crio corpos e paisagens em estado de metamorfose, híbridos simbólicos que flertam com o devaneio, o afeto e o desejo. Costuro presenças dissidentes, fabulações e territórios onde o imaginário escapa da norma e se reinventa”, diz.
Martinho de Haro: A Arte de Instaurar Existências Mínimas
A exposição dedicada a Martinho de Haro é apresentada como uma poética da existência mínima, dando existência a modos sutis de criação e de justiça existencial, onde o incompleto ou inacabado não é falho, mas motor de “vir-a-ser”.
Martinho antecipou, com sua paisagística aparentemente ingênua, questões centrais na arte contemporânea: sustentar formas de experiência não produtivistas em contextos de capitalização total da vida; preservar territórios de contemplação em cenários de urbanização acelerada; e manter sensibilidades ecológicas em tempos de devastação ambiental.
Os trabalhos apresentados nesta mostra por Eliane Veiga, Rodrigo Pereira, Janete Machado, Almir Reis, David Ronce, Miriam Porto, Marlene Eberhardt e Lisete Assen se concretizam por meio de movimentos como atenção contemplativa aos elementos discretos da paisagem urbana e natural.
Paisagem resgatada em “Em algum lugar, Martinho de Haro”, em que Rodrigo Pereira relê “Hotel La Porta” (1970/1975). Em uma lâmina de compensado, que serviu de suporte para colagens e fixações, ele usa um tecido de algodão, uma placa de eucatex e uma lâmina de ps cristal para reproduzir o centro de Florianópolis, especificamente a área atual do Largo da Alfândega, com o casario, o hotel La Porta, o Castelinho, o Miramar, as embarcações e o mar.
Meyer Filho: O Calculista Delirante
A figura de Meyer Filho emerge nesta mostra como um catalisador de processos artísticos contemporâneos. Seu autodenominado título de embaixador de Marte na Terra opera como um dispositivo conceitual que permite aos artistas contemporâneos navegar por territórios limítrofes entre realidade e fantasia, corpo e cosmos, individual e coletivo.
Seus seres antropomórficos se fazem espelhos deformantes que revelam a própria condição humana, em transformação permanente. O foco curatorial aponta a capacidade de revelar como o imaginário de Meyer Filho atua promovendo verdadeiras metamorfoses poéticas.
O “calculista delirante” inspirou Gelsyr Ruiz, Gabriela Luft, Ricardo do Rosário, Larissa Arpana, Onildo Borba, Maria Esmênia, Maria de Minas em trabalhos que confirmam que sua poética continha questões que movem a arte contemporânea: hibridismo, metamorfose, crítica das identidades fixas, expansão perceptiva e resistência às normatividades.
“O que se desenha nesta constelação é a compreensão de que a arte constitui uma força transformadora que une calculistas e delirantes, terráqueos e marcianos, artistas e espectadores”, frisam as curadoras.
Ricardo do Rosário se inspirou em uma lenda quase esquecida do ilhéu sobre um ser com formato de coruja que veio de Marte, onde vivia num mundo fantástico e colorido com outros seres com formatos que variavam de galos a bernunças, na obra “Coruja Cósmica X”.
Ainda segundo a lenda, ao chegar na Terra, o ser transmutou-se para a forma das corujas terrestres. Porém, não conseguia respirar e foi obrigada a usar um capacete cósmico, vivendo escondida nas florestas da Ilha do Desterro. A última pessoa que a viu, dizem, teria enlouquecido e se jogado da Pedra do Frade, na Lagoa da Conceição. “Baseado nesta trágica lenda, fiz essa pintura, retratando o ser galáctico, apesar de nunca tê-lo visto”. observa ele.
Rodrigo de Haro: Herdeiro de Morfeu
A exposição dedicada a Rodrigo de Haro apresenta o universo onírico do artista como fonte de devaneios estéticos e como matriz de reflexões críticas sobre as contradições do presente. Ao autodenominar-se Herdeiro de Morfeu, Rodrigo estabeleceu uma genealogia que conecta sua poética aos territórios fluidos entre vigília e sono, realidade e fantasia, individual e coletivo – territórios que os artistas desta mostra ressignificam como campos de resistência e transformação.
Os trabalhos de Audrey Laus, Sílvia da Ros, Marilene de Orleans, Andrea V Zanella, Albertina Prates, Dulce Pena, Rodrigo Gonçalves e Roberta Viotti revelam que sua herança atua por meio das contradições sociais, as possibilidades de transformação pelas práticas artísticas e cria formas alternativas que organizam a experiência contemporânea. Para os artistas, ser “herdeiro de Morfeu” significa assumir a responsabilidade de despertar a realidade de seus sonambulismos normativos.
Com delicadeza e fluidez, Albertina Prates criou “Vestais”, que viajou no tempo à Roma Antiga para resgatar as puras mulheres que tinham a tarefa sagrada de manter sempre aceso o fogo no templo de Vesta, símbolo de segurança e prosperidade da cidade.
“A chama já não é apenas fogo literal. Tal como as antigas vestais, as mulheres atuais são guardiãs das tradições e valores, agora livres para estabelecer suas próprias regras, guiadas por escolhas pessoais, e respeitadas pela força que carregam”, entende.
ARTISTAS PARTICIPANTES
Albertina Prates
Almir Reis
Andrea V Zanella
Audrey Laus
David Ronce
Dulce Pena
Eliane Veiga
Gabriela Luft
Gelsyr Ruiz
Janete Machado
Larissa Arpana
Lisete Assen
Maria De Minas
Maria Esmênia
Marilene De Orleans
Marlene Eberhardt
Miriam Porto
Onildo Borba
Ricardo Do Rosário
Roberta Viotti
Rodrigo Gonçalves
Rodrigo Pereira
Sílvia Da Ros
PARA VISITAR
Abertura: 3/9, às 18h, com coquetel para o qual estão convidados artistas e demais admiradores da arte
Quando: de 4/9 a 1/10/2025, de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h
Quanto: entrada gratuita
Onde: avenida Hercílio Luz, 617, Centro, Florianópolis
Próximas exposições
Galeria Municipal Pedro Paulo Vecchietti
Ressignificação: Pedro Paulo Vecchietti – “Combinações entre natureza e artifício”
Quando: de 7/10 a 6/11/2025
Museu Victor Meirelles
Movências: Ressignificação dos oito fundadores da Acap: Eli Heil, Franklin Cascaes, Martinho de Haro, Max Moura, Ernesto Meyer Filho, Pedro Paulo Vecchietti, Rodrigo de Haro e Vera Sabino.
Quando: de 19/11 a 31/1/2026
Mesc (Museu da Escola Catarinense)
Coletoras: Ressignificação de Eli Heil e Vera Sabino
Quando: de 5/12/2025 a 31/1/2026
Para acompanhar a Acap:
Site: https://www.acap-art-sc.com/
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