Uma pauta que tem avançado em câmaras municipais vem preocupando movimentos sociais que atuam pela efetivação dos direitos humanos: a internação forçada de pessoas em situação de rua. As cidades catarinenses de Florianópolis e São José aprovaram, nos dias 19 e 28 de fevereiro, respectivamente, projetos de lei de internação compulsória para população em situação de rua com dependência química ou transtornos mentais. Grupos como o Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua (INRua), organização da sociedade civil ligada ao Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), e a Defensoria Pública da União criticam os projetos.
O projeto de autoria do Poder Executivo usa o termo “internação humanizada”, em Florianópolis. O texto diz que a lei é destinada a pessoas com dependência química crônica, com prejuízos à saúde mental total ou parcial, que limite suas decisões, bem como pessoas em vulnerabilidade que possam causar dano a si ou a terceiros, ou ainda pessoas consideradas incapazes de tomar decisões por consequência de transtornos mentais adquiridos ou pré-existentes. A pessoa que se recusar a ser internada, o projeto explica, pode ser internada de forma involuntária – forçadamente – mediante aprovação de um servidor público da saúde, da assistência social ou de órgãos públicos considerados integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad), ou ainda a pedido da família.
“Esse projeto de lei tem o objetivo de tirar as pessoas dos centros das cidades”, alerta Leonildo José Monteiro Filho, coordenador nacional do MNPR, conselheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável dos Direitos Humanos e Presidente do INRua. “É uma prática higienista, para conquistar o que sempre quiseram: tirar a população de rua do centro. Somos contra essa lei que fere os direitos humanos de forma inconstitucional”. As propostas de lei direcionadas à população em situação de rua são entendidas como discriminatórias, aporofóbicas e higienistas, ao focar em uma parcela específica da população e forçar um isolamento e tratamento compulsório que não aconteceria com pessoas de outras camadas e grupos sociais.
A Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública de Santa Catarina recomendaram a suspensão dos projetos de leis. Em nota à Agência Brasil, os órgãos reiteraram que esse tipo de projeto não atinge os fins aos quais se propõem e violam a ordem legal e constitucional: “Inicialmente, é preciso contextualizar, desde já, que a intenção proposta pelo Município acarreta tratamento diferenciado à população em situação de rua, distinto das demais camadas sociais e do próprio coletivo no restante do país, revelando uma política seletiva e de higienização social, incompatível com o Estado Democrático de Direito e com os direitos fundamentais. De qualquer modo, é imperioso mencionar que a internação é um instituto previsto tanto na Lei Federal n. 10.216/2001 (atinente à proteção e aos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais), como na Lei Federal n. 11.343/2006 (atinente ao tratamento do usuário ou dependente de drogas), motivo pelo qual a sua aplicação prescinde de lei municipal”.
“O que o projeto de lei prevê, portanto, não é uma prática de cuidado em saúde mental que leva em consideração a gravidade ou risco de cada caso, a partir de uma avaliação psiquiátrica e sob a autorização de um juiz, mas sim uma prática indiscriminada de remoção forçada e limpeza étnica apenas comparável ao que de pior já existiu na história da humanidade. Diante dessa proposta absurda em Santa Catarina e outras violações que têm ocorrido naquela Estado, o Conselho Nacional de Direitos Humanos fará uma missão presencial nas cidades em questão no mês de abril, a fim de apurar a situação e tomar as medidas cabíveis junto a gestão municipal e ao sistema de justiça”, conclui Rodrigo Alvarenga, coordenador do Observatório Estadual de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos Políticas Públicas da PUC-PR.