Com uma entrevista em mente procurei o presidente estadual do PT, Décio Lima, que estava em Florianópolis na tarde desta quinta-feira (22), participando de um evento. Por coincidências dessas do destino, uma hora antes do início da nossa conversa saiu a notícia nacional sobre o indiciamento por tentativa de golpe de Estado feito pela Polícia Federal contra 37 agentes públicos (entre eles generais, coronéis do Exército e até o ex-presidente Jair Bolsonaro). É claro que o assunto virou mote da entrevista. Mas a pré-pauta não foi deixada de lado e Décio falou também sobre o momento do PT no Estado; sobre a estratégia visando a eleição de 2026 e disse inclusive que deixa uma possível candidatura a governador de lado, se o objetivo foi construir uma ampla aliança unindo partidos do campo democrático. Veja abaixo a entrevista exclusiva:
ADRIANO RIBEIRO – Diante do recém indiciamento de dezenas de pessoas, inclusive do ex-presidente Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado, como o senhor avalia a situação nacional e qual o seu sentimento?
DÉCIO LIMA – Primeiro que acabou de ser comunicado o indiciamento, inclusive do Bolsonaro, pelas tentativas criminosas contra o Estado de Direito e da Democracia. Isso, junto com parte do Exército Brasileiro, os quais, já têm um histórico de acontecimentos cruéis contra a democracia brasileira, ocorridos nos 21 anos de Ditadura. Acredito que o Brasil não pode mais perdoar. Nós termos, parte das forças armadas, as quais mataram mais brasileiros do que em qualquer conta das guerras que elas se envolveram no século passado. Portanto, não se justifica uma instituição, no caso o Exército, que é uma das mais caras – se gasta hoje mais com a folha de pagamento dos militares do que com a saúde pública, do que com a educação – se permitir a estarem contaminando essa conquista histórica do povo brasileiro, que é um valor universal, que é a democracia. Entretanto, os acontecimentos do 8 de janeiro são mais graves por que ali havia claramente já a prova da construção de homicídios. Com provas que foram levantadas com as investigações da Polícia Federal. Matar o Lula, matar o vice-presidente eleito, que seria matar a decisão nas eleições da grande maioria do povo brasileiro. Além de matar alguém de uma instituição que é a guardiã da constitucionalidade brasileira que é o STF, que era a tentativa de matar Alexandre de Moraes.
ADRIANO RIBEIRO – O senhor entende então que não se pode abrir mais um precedente como aconteceu na Ditadura, onde militares não foram punidos por seus crimes contra civis?
DÉCIO LIMA – Nós não podemos banalizar o mal. Você achar que isso é normal, querer matar, querer assassinar… nós já tivemos precedentes na história com comprovações como do assassinato do deputado Rubens Paiva, por exemplo, que os inquéritos mostraram claramente e identificaram os assassinos e sabe qual é a punição que eles receberam? Nenhuma, porque eram militares! Nós não podemos mais conviver com isso!
ADRIANO RIBEIRO – Em sua opinião, para o Brasil virar essa página de ataques de militares contra a democracia há que se ter punição então?
DÉCIO LIMA – Isso não tem mais volta. Se o Brasil não punir o Brasil está jogando no lixo as conquistas históricas da vida democrática. E quero dizer mais uma coisa, não existe sociedade no mundo que tenha respeitabilidade se ela não estiver no ambiente da democracia. Ninguém recebe mais e abraça um ditador. Ninguém mais aceita isso. O Brasil sabe que defender a democracia é defender o presente e o futuro e a própria soberania nacional. Todos têm que ser rigorosamente processados na forma da lei e com as penas devidas para que sejam cumpridas para que possamos estabelecer um marco histórico. Para dizer assim: ‘com a democracia ninguém pode agredir, a democracia é de todos nós, do povo brasileiro’.
ADRIANO RIBEIRO – Agora vamos para um panorama mais estadual. Passadas as eleições municipais, obviamente o PT começa se organizar com vistas a 2026. Como está o planejamento do partido?
DÉCIO LIMA – Nós temos o grande desafio de saíramos do isolamento. Nas últimas eleições tivemos uma conquista histórica. Sozinhos, depois de 44 anos de democracia, pela primeira vez, mesmo sozinhos, fomos para o segundo turno aqui no Estado. O grande desafio nosso é ampliar. É fazer uma política de aliança, porque o momento exige a defesa da democracia para a próxima eleição.
ADRIANO RIBEIRO – E como o PT pretende fazer isso?
DÉCIO LIMA – Nós já estamos fazendo interlocução com todos os partidos do campo democrático. Por que achamos que aqui os que representam, inclusive esses acontecimentos no Brasil, das pessoas do ódio, da arma, das pessoas que banalizam o mau a ponto de dizer: vamos planejar a morte de um presidente da República… isso não faz parte da vida e da cultura do povo brasileiro. Então, o grande adversário nosso é o PL. Por isso, tudo aquilo que pudemos aglutinar, sem qualquer preconceito, daqueles que querem defender a democracia, nós vamos abraçar com todo o significado da importância.
ADRIANO RIBEIRO – E o Décio Lima, vai disputar o governo novamente?
DÉCIO LIMA – Quero dizer pra você que estou muito otimista. Se eu fiz 30% dos votos naquele momento mais difícil da história do nosso partido, se eu consegui levar pela primeira vez aquilo que eu represento como causa pela primeira vez para o segundo turno da disputa, é evidente que numa continha simples, falta 20% para nós ganharmos o governo do Estado. Eu vou ser incansável no sentido de buscar esse processo de aglutinação dos partidos. Mas, eu quero dizer que nem precisa eu ser necessariamente o candidato, embora estou como candidato provavelmente para 2026. Mas, se for para unificar o campo democrático, nós vamos saber ter a devida grandeza de poder fazer essa construção histórica para Santa Catarina.
ADRIANO RIBEIRO – Qual sua análise, é claro que levando em consideração o contexto nacional, mas o que pode ter contribuído também para o partido passar a ser rejeitado no Estado ao ponto de se isolar? Sempre lembrando que num passado recente o PT elegeu prefeitos em grandes cidades e participava ativamente das maiores votações no Estado…
DÉCIO LIMA – Primeiro temos que entender que o PT está num processo de recuperação. Vejo que as eleições municipais já mostraram que nós estamos nos recuperando. A eleição municipal passada tem que ser comparada a eleição de 2020. Nesse contexto dobramos praticamente o número de votos, mantivemos nosso patrimônio de nossas representações políticas nas câmaras de vereadores, mantivemos prefeituras ou como prefeito, vice ou numa política de aliança. Então, esse patrimônio, hoje é maior que aquele que recebi e que me deu base para ir ao segundo turno nas eleições de 2022. Agora, é evidente que nós temos que repensar aquilo que é o desejo da conjuntura do povo catarinense.
ADRIANO RIBEIRO – Então o senhor concorda que o PT e a esquerda de um modo geral precisa rever o seu discurso, renovar…
DÉCIO LIMA – Veja Adriano, nós não podemos dissociar a mudança que houve no próprio sistema. Vou trazer aqui esse tema: o PT tem que ser o partido em Santa Catarina que abrace o empreendedorismo, por exemplo, das micro e pequenas empresas. Não podemos ser só um partido da classe trabalhadora, do campo e da cidade. Temos que ser o partido que amplie seu conceito e tenha propostas, por exemplo, da micro e pequena empresa no nosso Estado. Essa pauta nós vamos fazer na forma de debate em SC. Esse é um discurso que nós não tínhamos. Outro aspecto é a defesa da democracia. Nós temos que mostrar por povo de SC que somos um Estado do amor, da paz. Somos um povo da fé, é a terra de Madre Paulina. Nós não somos um povo da arma, do ódio. Temos que enfrentar esse debate com muita tranqüilidade. Não é possível que continuemos com esse sentimento de raiva e de ódio.
ADRIANO RIBEIRO – O senhor defende que se aproximem novamente as pessoas, é isso?
DÉCIO LIMA – Você pode divergir de mim, você certamente pensa muita coisa diferente de mim. Nós podemos debater, debater, debater. Mas, depois do debate intenso nós temos que nos abraçar, porque somos seres humanos. Somos pais de família, todos temos nossos problemas, nossas feridas humanas. Então, não se justifica nos estabelecermos na diferença até ideológica que temos o campo do ódio, da raiva. Aliás, a humanidade está viva até hoje por conta de que é mais amor e menos ódio. Não fosse isso já teríamos entrado em uma autofagia, uma destruição entre nós. Já vimos que as guerras e o ódio fazem um estrago terrível, mas eles são efêmeros, eles têm data para acabar. Acho que no nosso País temos que deixar bem claro que vamos dar um ponto final nisso. Por isso que os acontecimentos do dia 8 de janeiro são importantes para que gente possa ter tranquilidade e mostrar para o povo brasileiro que somos da democracia.